quinta-feira, fevereiro 24, 2011

Porque há uma geração posterior aos Deolindos...


Daniel gosta de ir à escola! Tem notas muito baixas, nunca fez os trabalhos de casa – até porque na casa de Daniel nunca entrou um livro -, os professores dizem que é desatento, os colegas queixam-se que Daniel é agressivo, mas o Daniel, contrariamente aos outros petizes, gosta de ir à escola!
Daniel não perde tempo a jogar playstation, não passa horas no facebook, não consome cinco horas de televisão por dia! Daniel ainda brinca na rua, ainda corre atrás de uma bola, pedala numa bicicleta, ainda conhece os cheiros da rua, os frutos da terra!
Daniel, contrariamente à esmagadora maioria dos gaiatos da sua idade, não gosta das férias! Por vontade e graça de Daniel, iria todos os dias à escola! Ainda que, para chegar à escola, tenha de acordar às sete da manhã, apanhar um autocarro feio de podre, velho e frio, porque alguém sentado num gabinete com ar condicionado, entendeu que era boa ideia começar as aulas às oito, ainda que o termómetro chore de frio!
Daniel não liga às roupas de marca e é dos únicos da sua aula que não tem telemóvel! Ouvi mesmo comentar, que uma televisão está a ponderar vir entrevista-lo, por um ser um dos poucos portugueses que consegue sobreviver sem telefone no bolso! Daniel não gosta muito de tomar banho no inverno e gosta tanto das suas peças de roupa, que chega a usar a mesma roupa por vários dias!
Daniel adora à escola porque é na escola que toma a única refeição decente do dia! Daniel sonha em saber quem é o pai e fica triste por ver a sua mãe, uns dias drogada, outros bêbeda, a perder a juventude entre o café e casa, ou em sítios que Daniel prefere fingir que não sabe, enquanto esbanja o pouco que recebe do rendimento mínimo.
Dizem que Daniel é um puto problemático! Porque Daniel mente, rouba, bate, chama nomes e faz asneiras! Porque Daniel muitas vezes está sujo e chega a cheirar mal, porque Daniel bate nos coleguinhas, tem dificuldades em socializar e o único argumento que conhece é a força da violência! Daqui a meses Daniel faz 16 anos! Felizmente! Porque aos dezasseis já não é um puto e já pode ir preso! Porque deixa de ser um miúdo com problemas e passa a ser um criminoso! E ninguém deixa de dormir porque se prendeu um criminoso…

14 comentários:

  1. Anónimo00:29

    Soberbo!

    ResponderEliminar
  2. Excelente. Obrigado por estes minutos de deleito.
    Dá que pensar, não dá? E esta será a geração quê?

    ResponderEliminar
  3. Vai permitir-me o desplante de roubar.
    Abs

    ResponderEliminar
  4. E o que fazer nestas situações? Eu fui um dos amigos do Daniel e realmente não acredito que o Daniel esteja interessado em deixar de roubar, ou de ser violento para com os outros... Vamos fazer o quê? Dar-lhe festinhas? Convencê-lo de que não está a tomar o rumo certo? Devem-lhe ter dito isto a vida inteira e ele não mudou..... Que fazer... talvez a cadeia seja um abre olhos... Um mal necessário.

    ResponderEliminar
  5. Anónimo01:32

    Dá muito que pensar , e fico muito preocupada ,porque são estas crianças que são as vitimas do pouco apoio que o nosso governo dá.

    ResponderEliminar
  6. Dica10:07

    H,

    Talvez não saibas mas em muitos das referências feitas a minha infância e em parte da alolescência, eu revejo-me no " teu Daniel ", e se sou hoje como sou, é porque fui um entre muitos destes jovens que com essas experiências se fez homem.

    ResponderEliminar
  7. Creio que há uma receita mágica:
    1º trabalhar a prevenção, para que estas situações não se instalem de vez; de facto é no seio familiar que tudo começa...
    2ªUma vez instaladas... pipas e pipas de amor, com toneladas e toneladas de disciplina, regras, sanções e gratificações (com resultados comprovados em mtos casos).

    ResponderEliminar
  8. Anónimo12:54

    Esta é uma geração de todas as gerações!

    Só que agora já são "população-alvo" de alguém ,dantes eram apenas população!

    ResponderEliminar
  9. "A nossa história começa quando começamos a existir no sonho de alguém. Somos quem somos porque condensamos tudo o que vivemos, o que viveram por nós, o que viveram por nós, com quem vive o nosso interior. Identificarmo-nos é descobrirmo-nos em nós a partir dos outros, muito mais do que sermos alguém"
    Eduardo Sá

    A impunidade da não prevenção continua a ter um preço demasiado elevado que, aparentemente, todos consentimos pagar.
    É triste viver esquecido, mesmo antes de se ter nascido.
    Os Estados incapazes se exercer as suas responsabilidades parentais deviam ser sujeitos a esterilização ou ser sinalizados como Países de risco.

    Brilhante post, Hugo!

    ResponderEliminar
  10. Anónimo16:07

    Eu concordo com o comentario da Raquel. Esta geração repete-se em todas as gerações...

    ResponderEliminar
  11. Anónimo16:18

    Brilhante!

    ResponderEliminar
  12. love terry00:04

    As atitudes destas crianças que um dia se tornam e tornarão adultos tem sempre uma razão, por isso quem é pai/mãe e/ou desejam ser, pensem bem na educação que escolhem para os seus filhos, para não os transformarem em monstros sociais. A disciplina, respeito e autoridade podem muito bem viver em plena harmonia com o Amor.

    ResponderEliminar
  13. Quando nos tornamos grandes, e se a sorte estiver estado do nosso lado até à idade adulta, é fácil entender quase tudo. Complicado é ser criança e não sentir o amor incondicional de alguém, crescer sem sentir o apoio por parte de quem nos rodeia. Comos cidadãos temos o dever de abrir a porta quando toca a campainha e nos pedem um pacote de bolachas, de sorrir e dizer que não gostamos quando nos pulam o muro do quintal sem nossa autorização, de nos calar quando um miúdo indelicado nos insulta na rua. É tudo normal! Sejam quais forem as decisões tomadas, numa sala com a.c., por um qualquer senhor engravatado, nós todos temos culpa de uma série de coisas a cheirar de podre que a nossa sociedade tem. Nós todos, pais, tios, avós... Esses senhores engravatados esquecem-se que talvez fosse melhor formar adultos.

    ResponderEliminar
  14. Anónimo19:51

    Este hoje deu-lhe para o neorealismo.

    ResponderEliminar

Respeite as opiniões contrárias! Se todos tivéssemos o mesmo gosto, andávamos todos atrás da sua namorada! Ou numa noite de copos, a perseguir a sua mulher!