sexta-feira, março 04, 2011

Desculpem chatear com essa coisa chamada realidade!


Francisco todos os dias passa todas as tardes sentado no mesmo banco de sempre, esperando, pacientemente e sem pressa, que a morte o leve para o seu ultimo destino! Ao seu lado, outros Franciscos esperam pelas suas mortes, embora muitos deles, demasiados deles, já há muito esqueceram que estão vivos! 
A mulher de Francisco deixou-o há alguns meses, depois de esgotar as forças a lutar contra a doença que leva tantos, uma estúpida epidemia que, incompreensivelmente, os avanços na ciência são impotentes para castrar! E desde esse fatídico dia que Francisco também morreu, apesar de andar por aí! Porque quem apenas sobrevive, já deixou de viver!
Francisco vive de uma miserável reforma, numa casa enxuta, desprovida de luxos, com paredes a pedir carinho, mobílias velhas de uso, uma morada simples onde a televisão foi uma prenda usada e gasta de uma sobrinha, sem sport tv`s, sem nunca ter percebido o que é isso da Internet – porque a administração publica, perdida num desvario tecnológico, esquece que nem todos os portugueses vivem no facebook. –;
Francisco come aquilo que uma IPSS lhe deixa em casa, tem a sorte de ter uma velha comadre que por piedade e alguns euros lhe cuida da roupa e lhe vai arejar a casa, porque tem o privilégio de ter três filhos – dois por Lisboa e outro que perdeu para a emigração – que mensalmente mandam um punhado de poucos euros, que alimentam a desgraça do velho pai!
Francisco não se queixa da vida! Porque tem memória e recorda os seus pais, porque tem a lucidez de recordar o passado, os tempos não longínquos onde não havia pensões de sobrevivência, onde os médicos só chegavam aos ricos, onde a comida era muito escassa e carne apenas se comia em dias de festas, os tempos onde era impossível aquecer uma casa, os tempos em que nem roupa havia para esquecer o frio! Francisco não se queixa, porque nasceu e viveu pobre e, apesar de pobre, vai morrer em muito melhores condições do que os pais viveram!
Francisco teve uma vida sofrida, sempre entre a miséria ou, quando as coisas corriam bem, na pobreza mas, como toda a sua geração, viveu muito melhor que a geração anterior! Mas nos dias de Inverno, quando o frio da chuva o faz recluso da sua casa inóspita, Francisco recorda a miséria do tempo dos seus pais, que sempre partilharam a penúria com outros pobres de pedir, mas ricos na generosidade e alegria!
Francisco tem um segredo que não partilha com ninguém, daqueles que de tão seus, nem às paredes confessa, porque no tempo em que era ainda petiz alguém lhe ensinou que os homens não sofrem nem choram, pelo que, nem ao velho padre ou ao mais íntimo compadre consegue dizer, que todos os dias tem medo de morrer sozinho, de ficar isolado na agonia de ninguém o socorrer, esvaziando-se a vida na solidão surda de ninguém ouvir o seu último e desesperado grito!
Francisco não tem estudos, não tem consciência política, não percebe muito de coisa nenhuma, mas pergunta-se quando a madrugada o acorda ainda demasiado cedo para se levantar e nada fazer, que sociedade é esta onde se dão migalhas aos velhos e lhe prolongam a vida, para aumentar o triste vazio da sua solidão!

13 comentários:

  1. Qualidade da Democracia09:16

    Muito se fez nesta área nas últimas 3 décadas mas, continua imenso por fazer e concretizar ...

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  2. Teria que te escrever aqui um texto enorme para te contar que um dos problemas da solidão tem a ver a nossa falta de bases para ela. E um texto maior ainda para te falar sobre uma pessoa vive talvez como o Francisco mas tem um background que lhe permitiu ir à luta e até saber que tem direito a ter um computador e Internet em casa devido à sua idade. E que nunca viveu em tempos mal mal mas soube a quem recorrer para comer. Mesmo com um cancro a corroer-lhe as entranhas.
    Não, não estou a dizer nada contra o Francisco que eu sou bem capaz de vir a ser como ele.
    Estou talvez a dizer que ninguém nos ensina a envelhecer e a falta de formação e interesses que acumulamos ao longo da vida infelizmente nos transformam em Franciscos.

    De resto, um texto real. E desculpa ter-me afastado um pouco do tema.

    E ainda um apontamento. Vi alguns viúvos durante uma determinada fase da minha vida e era realmente penoso pois parecia que estavam mortos em vida.

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  3. Hoje, terminei a leitura deste texto a chorar.

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  4. Retrato nu e cru de uma sociedade. Hoje vive-se mais tempo, talvez melhor, mas há muito para evoluir. A economia permiti-lo-á?

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  5. Anónimo11:25

    Que maravilha de texto!

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  6. Anónimo13:23

    Conheço muitos Franciscos, e participo num projecto que tem por objectivo dar-lhes " vida"! Apesar das adversidades, bem como da sociedade e país em que vivemos, não podemos deixar de lutar pelo bem-estar dos nossos Franciscos e Franciscas!

    F

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  7. aviso à sociedade das migalhas: a cama que fazemos é a cama onde nos deitamos.

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  8. Anónimo16:25

    excelente post, quem nos derá que a solidão nao fosse uma realidade dura e diária. Obrigado por este banho de realidade, acredito que faça muita gente parar e pensar, e quem sabe agir. Pequenos gestos fazem sempre toda a diferença, basta querer agir :)
    Beijocas
    AQ

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  9. Já chorámos todos um poucachinho (fica bem), agora vamos todos deixar o chato do velho no hospital para não estourvar as mini férias FAMILIARES na Sierra Nevada (somos muito chics)!!!

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  10. ana - consegue explicar o seu comentário??!!

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  11. Anónimo21:52

    F*da-se... e por vezes deixamos acontecer isto com os "nossos" Franciscos... pois nem sempre os Franciscos nos são estranhos... serão os nossos avós, os nossos tios... familiares... e pior de tudo ... os nossos PAIS... aqueles que nos ampararam... pois a vida costuma ser irónica... e o aviso do van faz sentido...

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  12. Anónimo17:44

    Uma realidade dura e crua...:(

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  13. O interior do país está repleto de Franciscos e daqui por não muitos anos haverá apenas Franciscos.

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Respeite as opiniões contrárias! Se todos tivéssemos o mesmo gosto, andávamos todos atrás da sua namorada! Ou numa noite de copos, a perseguir a sua mulher!