Dançarina, por Miró

Joan Miró 1893 - 1983

Tinha decidido terminar o ano, apresentando um quadro de Miró! Bem sei que é blasfémia, mas sempre o considerei o melhor pintor espanhol de sempre! Que me mordam os picassianos, que sem lhe negar o génio, nunca me encheu as preferências!
Escolher uma obra de Miró é sempre uma empreitada hercúlea, na qual mergulhei com deleite, procurando escolher um dos seus quadros! Até a “dançarina” me escolheu!
Confesso que não conhecia este quadro; e nem foi fácil descobrir o seu nome ou encontrar alguma alusão ao mesmo! Mas o quadro escolheu-me, porque de quando em quando nas nossas vidas, há coisas que nos escolhem, que nos tomam com sofreguidão, que nos tiram o juízo, nos roubam o discernimento e nos condenam a seguir um caminho, sem forças para lutar contra a rudeza do fado do destino.
Confesso que me perco neste azul! Encanta-me a dançarina misteriosa que preenche o quadro sem se ver, numa discreta exuberância, estando presente apesar da sua ausência, entranhando-se em nós com uma irresistível presença! Ao lado, o incêndio forte de um fogo que aquece a noite, que o quadro não nos diz, mas só pode ser fria! Detenho-me a admirar a lua altiva, tímida, indecisa entre preencher a noite de luz ou retirar-se para oferecer o silêncio escuro! Ao centro, perdido, sozinho, contemplamos um coração, vermelho, sujo, solitário e triste! Apaixonou-me neste quadro, a dificuldade em o compreender, em descodificar a sua linguagem! Encantou-me nele, ir desnudando-a paulatinamente, procurando o seu lado oculto, até descortinar pequenos nadas, que significam tanto! Até podem ser patéticas as minhas palavras, sem nexo, sem lógica e sem sentido: mas os sentimentos que uma obra de arte nos proporcionam, têm que ser racionais, exige-se que tenham lógica?