quinta-feira, dezembro 04, 2008

Intimidades

Há acontecimentos que nos obrigam a meditar sobre o sentido da vida: e a partida de alguém ainda jovem, ensina-nos que a imortalidade não existe. E compreendemos que esse alguém pode ser uma pessoa próxima, que nos habituámos a chamar amigo, porque esteve ali todo o tempo, sem nunca pararmos para lhe oferecer demasiada atenção, na certeza errada que no outro dia voltaria a estar ali!
A geração que está nos trinta é sem dúvida uma geração especial: cresceu com as convulsões num ensino que lidou mal com a democratização no acesso à educação, procurou ser rebelde mas não tinha causa, sobrevive num cenário de extrema instabilidade profissional e com o ónus de perder muitos rendimentos quando chegar à idade da reforma. Esta geração é a primeira a crescer em liberdade, com manifestações de alguma libertinagem, num ambiente de livre sexualidade, dominada pela futilidade do consumismo, que transformou frivolidades como os telemóveis em bens de máxima necessidade; uma geração em que tudo é fast food, tudo é efémero e imediato, demasiadas vezes, mesmo os sentimentos que não raramente se desmoronam nas primeiras dificuldades da sinuosa estrada da vida!
A minha geração perde-se hoje no fascínio pelo acessório, o sucesso contabiliza-se em bens materiais, os valores medem-se em Euros e as preocupações sociais limitam-se ao preço do petróleo e às taxas da Euribor. E procurar garantir que no próximo ano ainda vai ter emprego!
Desiludidos com trinta anos de democracia, fartos de ver mudar as moscas, mantendo-se o resto, esta é uma geração que demonstra profundo desinteresse pela “causa pública”, sendo pouco exigente com a democracia! Consequências de um péssimo ensino e de um quotidiano exigente, é pouco desperta para a cultura e cultivou uma estranha apetência para o telelixo. E, sobretudo, perdeu a capacidade para se indagar sobre o sentido da existência, indecisa se o melhor caminho é viver intensamente cada dia como se fosse o ultimo e os confrangimentos de uma educação judaico-cristã que nos obriga a comportamentos tipificados.
Mais do que viver, esta é uma geração que se habituou a sobreviver: ainda que de forma irracional, tende a sonhar o futuro a acreditar que o amanhã lhe trará o que hoje lhe falta. Porque esta geração acredita que ainda tem tempo! Acredita que por ter trinta anos, ainda vai a tempo de fazer escolhas erradas, de acertar e falhar, de escolher caminhos ínvios, regressar atrás e partir para outros destinos, de correr atrás de sonhos, de contornar pesadelos. E ainda não perdeu a ilusão de que a felicidade existe e é tangível e que pode expressar-se das mais estranhas maneiras.
Até que a vida nos dá uma bofetada: e nos prova que a imortalidade é frágil. Que estar vivo é apenas um estado transitório que não augura nada de bom! E que corremos sempre o risco de a vida passar por nós, sem deixar rasto. E morrermos sem deixar rasto na nossa vida…
PS - Crónica em jeito de homenagem em memória do Jorge, dedicado à sua mãe, mulher e filhos!

10 comentários:

  1. parece inevitável a preocupação com o acessório. parece impossível afastarmo-nos do acessório. acima de tudo há uma imagem de felicidade que nos venderam (sem a pedirmos), que passa, exactamente, pelas frivolidades. para além desta felicidade (que não é a nossa), é também o sentires-te parte integrante da sociedade, sentires que cumpriste o teu papel e isso implica os telemóveis, o "estar-bem-na-vida".
    e isso é o objectivo primeiro de qualquer trintão: "estar-bem-na-vida". e o resto (possivel e provavelmentemente o que REALMENTE importa) passa ao lado com uma rapidez estonteante e quando lhe queremos deitar mão... já foi. já passou. o tempo acabou.
    um abraço

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  2. H, grande homenagem. Tambem eu conhecia o Jorge. A relação que ele tinha com a sua Mãe era muito forte. Para ele a vida acabou ( pelo menos esta) mas, para a sua Mãe a vida deixou de ter qualquer significado...

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  3. Anónimo10:08

    Estando a meio dos trinta, não me revejo nessa geração que sobrevaloriza as frivolidades, o acessório, o dispensável. Nem quando nos 15, nos 18, nos 20, amigos e amigas "matavam" por uma "acelera", por roupas de marca, etc, nunca senti essas necessidades.
    Sinto, com sempre, a necessidade imensa de dizer AMO-te a quem tenho a meu lado, diariamente,a quem amo, mas está longe, porque hoje tenho essa oportunidade e amanhã, ou daqui a pouco, não sei se terei.
    O único sentido que a vida me faz, é esse. É tentar sempre sorrir, disfrutar ao máximo das dádivas diárias: o sorriso lindo da minha filha, o calor de um abraço amigo, dos mimos dados e recebidos.
    Para tentar viver o melhor possível.
    Um beijo Jorge.

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  4. Anónimo10:13

    H não sei de quem falas,mas os meus sinceros parabéns pelo excelente texto que dedicas á familia,sem dúvida impressionante, a tua capacidade de "transportar pensamentos,opiniões e criticas para texto é notável",concordando-se ou não é essa tua faculdade que aliado ao facto de a imprensa da cidade ser fraquinha....me faz escolher o teu blog como fonte informativa.
    Excelente este texto!

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  5. Bom texto.
    Se li bem há 2 pontos.
    1º: a esfera pessoal e da família, que mal ou bem todos cumprimos.
    2º: a grande esfera social que frequentamos pela vaidade e pelos proventos, pouco dando e caçando o mais que podemos.

    O sentimento de perda por alguém que era nosso implica uma forte teia de relacionamento que ultrapassa a família e a profissão e que é cimentada pela entreajuda e partilha, valores estes que tendem a volatilizar-se.

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  6. Anónimo15:01

    De facto mais um texto excelente. Uma homenagem muito bonita. Para a Nidea deixo um grande beijinho que infelizmente não dei no dia mais triste da vida dela, para o Jorge desejo de uma "boa viagem", tranquila e em paz!
    A.D.

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  7. Anónimo15:01

    De facto mais um texto excelente. Uma homenagem muito bonita. Para a Nidea deixo um grande beijinho que infelizmente não dei no dia mais triste da vida dela, para o Jorge desejo de uma "boa viagem", tranquila e em paz!
    A.D.

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  8. Anónimo15:01

    De facto mais um texto excelente. Uma homenagem muito bonita. Para a Nidea deixo um grande beijinho que infelizmente não dei no dia mais triste da vida dela, para o Jorge desejo de uma "boa viagem", tranquila e em paz!
    A.D.

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  9. não conhecia o Jorge, os meus sentimentos a familia.
    Apesar de ja estar perto dos 40, tenho 38, ainda posso dizer que sou da geração dos 30...
    sta intrudução, para dizer que sempre dei muito mas mesmo muito valor as amizades ao amor, as vezes ate demais, pelo que me costumam dizer, e como ja passei por cancro da mama, não que a vida comece a ser vista de outra maneira, mas sentir de perto que a vida pode estar por um fio, faz-nos pensar em muitas coisas...e principalmente que é bom viver e ser feliz, com os que nós amamos e que tb nos amam.
    Gosto de dizer gosto de ti..
    gosto de dizer olá ...quase todos os dias aos meus amigos, por sms, faço sempre tudo para que saibam que estou presente e se precisarem é so dizer.
    e com isto tudo, escrevi aqui um texto enorme...

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  10. Anónimo20:13

    Se há pessoas boas no mundo, o Jorge é sem dúvida uma delas.
    Uma grande perda para todos aqueles que tiveram a felicidade de o conhecer ao longo destes 34 anos.
    Até sempre Jorge.

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Respeite as opiniões contrárias! Se todos tivéssemos o mesmo gosto, andávamos todos atrás da sua namorada! Ou numa noite de copos, a perseguir a sua mulher!