O maior cancro da sociedade portuguesa contemporânea é a impunidade que grassa com intoleráveis limites. Tenho doutrinado que de todos os pilares da nossa ainda tímida e insípida democracia, a justiça tem sido nestes trinta e poucos anos o filho bastardo do sistema democrático. Não procurem nestas palavras, porque nas mesmas não vão encontrar, a desculpa simplista de atacar juízes ou o ministério público ou mesmo as várias polícias por uma falência que responsabiliza todos. Ou devia responsabilizar se em Portugal a culpa não fosse uma velha e abandonada solteirona.
No meu ensino tento explicar que o Homem é o único ser com a capacidade de saber exactamente o que deve e não deve fazer, o que lhe é permitido e proibido, sendo dotado da divina condição de escolher fazer o que não pode, esse estranho livre arbítrio que nos leva a escolher o mais poluto dos caminhos. Infelizmente caracteriza a condição humana a ancestral tendência para o egoísmo, para procurar “esticar a corda ao seu limite, demasiadas vezes sem pejo de a fazer quebrar”.
O Homem de hoje, liberto dos condicionalismos da moral cristã, sem que a valoração negativa da sociedade seja hoje um factor inibidor, só na aplicação da Justiça encontra antídoto para comportamentos desviantes, tornando-se o Direito, mais que uma necessidade, uma inevitabilidade.
Não são razões genéticas que determinam que determinado etnia não se conforme com as leis gerais do Estado e escolha um heterodoxo leque de comportamentos desviantes. – e mesmo sem a nomear, os meus ouvistes compreenderam de quem estou a falar-. Por mais que a voz de alguns lhes doa de tanto gritar, se determinados bairros são regulados pela criminalidade as culpas não são sociais ou económicas, mas têm como justificação a impunidade crescente, a convicção que se ergue de que tudo lhes é permitido sem que o braço da lei os puna pelos seus ilícitos, com a severidade suficiente para ter um verdadeiro efeito repressivo e preventivo.
Se no aparelho de Estado, quer nacional quer regional, prolifera o compadrio, o clientelismo, a subversão entre os interesses gerais e particulares e, porque não o assumir seria cobardia, a mais abjecta corrupção que mina a credibilidade do Estado e dos políticos, tal deve-se ao sentimento crescente de impunidade, ao facto objectivo de que em trinta e três anos de democracia sejam quase inauditos os casos de pessoas condenadas por corrupção ou afastadas dos seus cargos por práticas imorais. Ao ponto de o cidadão começar a achar natural que os partidos usem o aparelho de estado com algo seu, com crescentes e abomináveis promiscuidades.
Por vezes, temo que cheguemos ao exemplo brasileiro onde alguém se gabava em campanha eleitoral: eu roubo, mas faço!
Pergunta-me: como inverter esta vergonhosa tendência? Desde logo não perdendo a capacidade de nos indignarmos! Porque a democracia, com falhas e faltas, ainda é a vontade do povo…
"O que nunca ninguém diz, porventura com medo de parecer vaidoso, é que a inteligência tem um preço: a solidão" (Nuno Lobo Antunes)
quinta-feira, janeiro 29, 2009
Impunidade!
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Isto tende para uma situação similar à dos Estados Unidos, em que toda gente vai dispor de uma arma para defesa própria, o mais provável surgimento de milícias e o, claro, consequente aumento de homicidios...e em que é que ficamos todos nós? No puro, duro e cruel caos.
ResponderEliminarUm polícia mata um gajo que faz assaltos à mão armada, vinha de um assalto e tava armado(dizem eles, o que eu duvido muito). Se não o matasse tava outra vez nas ruas a roubar e provavelmente com a sua arma apontada à cabeça de alguém. Quando um polícia pisa o risco é logo sancionado, os outros fazem tudo e são libertados. Não há de a criminalidade aumentar com isto tudo a acontecer.
Olá bom dia, Hugo, realmente não sabemos onde isto vai parar...se não houver quem ponha um travão em certas situações.
ResponderEliminarOs policias passaram de bestiais a bestas.
ResponderEliminarHá que os passar de bestas a bestiais e imediatamente.
Eu só não percebo é como é que a criminalidade (roubos, mortes, burlas...) ainda está como está!
Nas condições actuais (poderes legais) somos vistos como uma República das Bananas. Eu explico, podes fazer quase tudo, pois se fores apanhado, o castigo não é muito severo.
É quase como aquela máxima " o crime compensa...".
É muito triste, rsssss.
Foi essa mesma noção de impunidade, aliada à noção de pura perda de tempo no seu combate, que me divorciou da advocacia. Não foi um divórcio fácil. Os divórcios nunca são fáceis quando se investiu a sério na relação e se acreditou no outro...
ResponderEliminarA sua pergunta, H, não tem apenas uma resposta, aliás, como nada na vida. Concordando com alguém que disse que não soluções, há caminhos, talvez o caminho para inverter esta tendência ainda nem tenha começado a ser trilhado, simplesmente, porque fazê-lo dá muito mais trabalho e toda a gente sabe que, por cá, frequentemente, o trabalho é uma coisa que cansa muito.
Alguém tambem já disse que a democracia pode não ser boa, mas, por enquanto, é o melhor que há. Interpretemos como um sinal de esperança!
P.S. Talvez os seus alunos ainda não tenham o distanciamento necessario para perceber o privilegio que é ter um prof. como o H., o que não só é natural como saudavel. Mas tenho a certeza de que a vida que escolheram seguir profissionalmente os ajudará a perceber isso! ;-)
@vida - Tenho tido o especial privilégio de ter tido alunos fabulosos. Mesmo sendo das pessoas que dá piores notas - é recorrente a queixa de que só dou notas baixas - tenho tido imensa sorte.
ResponderEliminarPor acaso ainda ponderei acabar o blogue quando os alunos o descobriram, por temer que as "tolices" que aqui escrevo e as minhas intervenções cívicas pudessem colidir com o meu ensino.
Mas.. o tempo provou que eles sabem distinguir o H do Professor Hugo.
PS - Obrigado pelas gentis palavras; e respondo o que sempre digo. A minha melhor qualidade docente é amar o ensino!
H, desculpe-me o atrevimento, até porque não me parece bonito "caluniar quem não se conhece"... mas parece-me, assim de repente, que a sua melhor qualidade é amar a vida. Ponto final parágrafo.
ResponderEliminarP.S. É com as suas "tolices", mais do que com as sebentas, que eles mais têm a aprender.
Amigo H, tenho andado um pouco ausente no que toca a visitar outros blogues - espero retomar esse caminho a partir de domingo, altura em que começo a respirar um pouco melhor...;)
ResponderEliminarAcerca do texto, como dizia alguém, o caminho faz-se caminhando! A classe política é o que é, são membros do povo, e se a mentalidade do povo é o que é, porquê é que a classe política tinha que ser diferente? Digo eu...
Nada contra os portugueses, mas todos sabemos que por cá impera o facilitismo e a cunha, algo que não vai desaparecer nem com 100 anos de democracia. Está nos no sangue...
@zig - BRILHANTE COMENTÁRIO - Bem melhor que o meu texto. Numa frase destacaste a ideia implicita! Mas.. enquanto não tivermos consciência disso!
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